domingo, janeiro 28, 2007

 

Praia da Nazaré 1967...

Ainda hoje me lembrei de ti, Barbosa!
A olhar para mim, como se não existisse mais ninguém na praia. O meu Arlindo nunca me olhava assim. Esperavas sempre á beira-mar que eu saísse da àgua, e plantado no areal da praia da Nazaré, com as calças castanhas pregueadas, arregaçadas até um pouco abaixo do joelho, com os caracóis grisalhos teimando em sair debaixo do barrete. Um lingrinhas, de braços fininhos e ancas estreitas. E eu que nunca gostei de homens lingrinhas. Foi isso que me agradou logo no meu Arlindo, mãos grandes, braços fortes, alto, de pescoço grosso… mas não me olhava como tu me olhavas. Estavas sempre a sorrir para mim, ás vezes punhas a mão no bolso e rias descaradamente, e eu, envergonhada, desviava o olhar para a minha mão esquerda e lembrava-me do meu Arlindo, e olhava se alguém reparava no teu deboche, mas não, tu sabias exactamente quando o fazer.
Até que um dia estavas muito sério, com um ar altivo, e quando eu passei por ti, disseste-me:
- És linda, és a mais linda.
Quando me lembro ainda sinto o fogo na cara, o coração na garganta e o nó no estômago, como se tivesse sido ainda há pouco.
Olhei para o lado para ver se alguém tinha presenciado a tua falta de respeito para com uma senhora casada, sim, tu sabias que eu era casada, e vias-me com os meus filhos, mas tu Barbosa tinhas tudo controlado e continuaste, olhando em frente, fingindo que olhavas para o mar:
- Tu és a mais linda.
Olhei para o chão envergonhada, e tentei esquecer-te Barbosa.
- Tenho umas coisas a tratar em Coimbra, - disse-me o meu Arlindo - em Setembro, vais com os miúdos e com a minha mãe passar a época de banhos para a Nazaré, a Mariana vai também para te ajudar com as crianças, assim como assim a sopeira não fica cá a fazer nada em Lisboa, e eu vou lá passar os fins-de-semana. Já aluguei a casa ao comendador Silveira, está tudo tratado – o meu Arlindo planeava tudo muito bem.
Naquele dia a mãe quis ir tomar chá com umas amigas, e eu fui auxiliá-la a atravessar o areal. Os miúdos tinham ficado com a Mariana junto á água, a construir castelos e palácios e a imaginar princesas á espera do príncipe encantado, enquanto as ondas da maré baixa hesitavam em desfazer as obras e os sonhos.
Quando regressava ao areal só senti um puxão para dentro de uma das barracas de riscas coloridas. Uma voz a sussurrar-me ao ouvido – És linda – e eu, embriagada com estas palavras, ou seria do cheiro a mar dos teus cabelos, só tentava respirar fundo, o medo deu lugar ao pânico e depois ao desespero. – Deixa-te estar - . Quem havia de dizer que um lingrinhas tinha tanta força, tanta paixão. E eu parada, sem gritar, com vontade que o tempo parasse. – Serei teu para sempre - Sem pensar, virei-me e beijei-te, ficas-te tão surpreendido, como eu fiquei com o sabor da tua pele. Entreguei-me a ti como nunca tinha feito com o meu Arlindo, sem medos nem vergonhas, sem responsabilidades nem pudores. As mãos, os lábios, o suor e a saliva, num turbilhão de emoções uma espiral que só terminou quando, exausto, pousaste o teu corpo sobre o meu.
Ainda hoje me lembrei de ti Barbosa, do teu olhar, da tua respiração, das vozes a passarem no exterior da barraca, das tuas mãos nas minhas coxas. Aquela tarde já desapareceu há 40 anos, O Arlindo tambem já lá está, que Deus lhe tenha a alma em descanço. E eu continuo a odiar-me, por nunca ter voltado á Nazaré, e por continuar a lembrar-me de ti Barbosa.
Nunca mais deixas-te de ser meu.

Comments:
querido sobrinho, cá estou eu para uns scones e um cházinho. continuo na fossa, mas mais decidida a sair dela. Obrigada pelo conforto. as suas palavrinhas fizeram-me bem ao ego. Não se acanhe a deixar um olá de vez em quando!
Seja benvindo à família. Vai levar com ele... com um link.

beijoca. obrigada pelo lanchito!
 
LOL...o Arlindo a estas horas tá a dar uma volta entre as tábuas...bejos e abraços.
 
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