domingo, julho 16, 2006

 

O português


Quando o árbitro terminou o jogo, ele começou a sentir um frio no estômago. Um aperto, uma revolta nas entranhas, uma mistura de calor, suor e frio.
Havia perto de um mês que a sua vida se tinha modificado, e logo como…
Nunca tinha gostado especialmente de futebol, era um desporto como outro qualquer, mas, a milhares de quilómetros de casa… as caras dos jogadores, os palavrões lidos dos lábios, o vermelho e o verde, o Hino… principalmente o Hino.
O hino, como sempre, arrepiava, quando soavam as primeiras notas, mas agora era diferente. Era como se todos os seus amigos e familiares estivessem com ele. Melhor, era como se estivessem todos juntos, abraçados, a partilhar com ele aquele momento. Emocionava-se de tal forma que, mal conseguia ver o início dos jogos.
Lembrava-se de Lisboa e do rio Tejo. De Vialonga onde tinha crescido, num dos muitos bairros sociais/dormitórios no alto de uma colina de onde via, lá em baixo a auto-estrada para a capital, o movimento a vida de um pais. Nunca tinha imaginado que esta imagem lhe iria ficar como símbolo de liberdade, agora que estava tão limitado de movimentos.
Lembrava-se do Alentejo e das férias nas casas de suas tias que o acolhiam sempre que desejava passar por lá. Agora ninguém o podia acolher, nem sabia se voltaria a ver de novo as grandes planícies secas do calor e as faces zangadas das tias (com um sorriso disfarçado) sempre que fazia alguma traquinice.
Não havia maneira de ter acesso a uma bandeira. Então, com uma T-shirt vermelha e com um bocado de sarja verde de um saco de trigo, que conseguiu na padaria onde passava todas as madrugadas, conseguiu fazer a sua bandeira. Agarrava-se a ela durante os jogos, e com ela fechada nos punhos mordia o pano, limpava as lágrimas da emoção, disfarçava a gargalhadas da vitória, e abraçava-a como quem abraça a sua amada, a sua Pátria pequenina, mas sua.
Há um mês que deixou de ser o anónimo, para passar a ser o português. Sim, tinha derrotado os vizinhos e rivais mexicanos, o português… Deixaram de o maltratar, de o espancar… Agora até tinham um pouco de respeito por ele. Era o português…Em pequeno fora tratado por Zé luís, aqui ninguém o tratava pelo seu nome e de repente Luís como Luís Figo…
Quando o árbitro terminou o jogo sentiu que o mês tinha acabado, talvez voltasse tudo ao mesmo, os mesmos abusos, os mesmos mal tratos e as saudades de Portugal, sem uma noticia do seu pais, sem saber sequer que ainda existiam. Ele perdido, sem saber sequer se existia, nesta triste prisão Venezuelana onde estava detido por transportar, disfarçados de chocolates dois quilos de coca, para Pierre, o francês que o tinha convencido que não havia nada de mais fácil no mundo que efectuar esse transporte. O cabrão do francês, e ainda dizem que não há coincidências.
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Para ti, Zé Luis, estamos longe mas estamos perto...

Comments:
Obrigado pela visita! Volta sempre é um raio de sol a entrar pelo blog!

Gostei muito deste texto que exprime as misérias do sub-mundo do crime.
Este Luís sentiu como todos nós a vibração patriótica!

Mas há também que serenar os ânimos e constatar que há quem se aproveite à sombra da bandeira, à sombra da Pátria, à babugem de nobres sentimentos.

O futebol, que eu adoro, tem-se prestado para mil e uma negociatas: nas autarquias, nos governos regionais, sei lá...

Há que preservar a genuinidade do ser português! quando os abutres se poisam, tudo serve; até a generosidade (ingenuidade) verde-rubra dá jeito aos malandrecos...
 
Obrigado pela palavras de sabor poético que comentaste no meu Blog. Tanbém confesso que gostei muito deste texto e que este estranho sentimento quase atávico que nos faz mexer, este sentido de pertencer, de ser Português sabe bem e sabe sempre a pouco.
É claro que o trigo e o joio são diferentes, mas havemos sempre por conseguir separá-los de uma forma ou outra.
Uma boa semana para ti.

P.S.: Gostei de te ler e vou acrescentar-te no meu Blog.
 
Que texto gostoso!!
Passei só pra deixar um beijo...
É bom ler o que escreves!!!
 
Adorei o texto.!
Leve e tocante.!
E não posso deixar de parabenizar, vcs, portugueses, pela belíssima campanha no mundial.!
Como vc mesmo disse, pequenino, porém com alma de gente grande.!
Boa semana para vc.!
=**
 
Apenas para agradecer a visita e desejar as maiores felicidades! Com mais tempo visitari o teu blog com mais calma.

Abraço!
 
Sem palavras para descrever o k senti.muitas lágrimas correm cara baixo e muitas saudades do meu zé luís.português sonhador e sem maldade no coração.bjs o poema é lindo.
 
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